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segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Candomblé não é mais religião de negro, é religião de brasileiro”


ENTREVISTA AO JORNAL BAHIA ON LINE:


Integrante da Academia de Letras de Ilhéus e Mestre em Letras Vernáculas, o professor Ruy do Carmo Póvoas, assumiu ainda criança sua afinidade pelas crenças candomblecistas. A partir desta descoberta o também escritor, dedicou sua vida a exaltar a africanidade e publicou livros como “A Linguagem do Candomblé”, “A fala dos Santos” e “Itan dos mais Velhos”.

Atualmente dirige o Terreiro Ilê Axé Iêjexá Orixá Olofun, localizado no Bairro Santa Inês em Itabuna, que fundou em 1975 em parceria com seu irmão e onde desempenha a função, com autoridade máxima, de Babalorixá.

Em entrevista exclusiva aos estudantes de Jornalismo Tayara Carvalho, Fábio Carvalho, Renan Júnior e Monique Ribeiro, Ruy abre as portas de seu terreiro para o Jornal Bahia Online e revela o fascínio pelas heranças africanas e pelo candomblé em particular. Confira.


Quando surgiu o seu interesse em particular pelo Candomblé?
Eu sou oriundo de uma família atípica. Meu pai era coronel do cacau, um homem rico, branco, de ascendência européia. E minha mãe era uma negra, mulher de terreiro e empregada doméstica. Minha formação foi dupla. Por parte de pai a formação era católica, inclusive a prática cotidiana de ir a Igreja rezar. E por parte de minha mãe era a frequência a terreiros. Foi na adolescência que eu me identifiquei com as práticas de terreiro e já me entendia como uma pessoa de terreiro.

Você encontrou muita resistência por parte de seus familiares?
Quanto ao preconceito, encontrei resistência dentro da minha própria casa, porque meu pai odiava as coisas do candomblé a tal ponto que quando decidi ir a Salvador estudar o científico, ele se recusou a custear a viagem, alegando que não gastaria seu dinheiro com uma pessoa que vive enfeitada de badulaques desses negros.


“Estudei, me formei, me pós-graduei e me tornei babalorixá. Juntei as duas coisas de meu pai e de minha mãe e elas estão harmonizadas muito bem dentro de mim”.


Poderia nos fazer uma estimativa de quantos terreiros de Candomblé existem hoje em Itabuna?
Nós estamos fazendo um estudo sobre os terreiros no sul da Bahia, em parceria com o Núcleo de Estudos Afro Baiano Regionais (CAUE) da UESC e, segundo o último levantamento existem, cerca de 80 terreiros no município.

O terreiro ILÊ AXÉ IEJEXÁ ORIXÁ OLOFUN, do qual o senhor é o babalorixá (pai de santo), é uma sociedade religiosa de culto afro-brasileiro. Quando foi fundado e quem foi o responsável pela fundação?
Este terreiro foi fundado em 05 de Setembro de 1975 por ordem de Oxalá, que é o patrono da casa. Foi ele quem determinou e eu e meu irmão Reinaldo cumprimos sua vontade criando o espaço para abrigar a herança de Inês Megigan, sacerdotiza da Oxun.

O que diferencia os terreiros de candomblé na Bahia?
A diferença é quanto à nação, origem. Por exemplo, este terreiro é originário da cultura nagô do povo Iêjexá, há terreiros nagô de origem ketu e há terreiros que não são nagô, são de origem angolana, outros de origem do Congo, a depender das nossas raízes.

Explique aos nossos leitores o significado de Origem Nagô e Nação Iejexá...
Nós somos originados, esse terreiro no caso, dos sudaneses, que abrangia a Nação Nagô, onde hoje está situada a Nigéria, território que antes era habitado por povos diferentes. A nossa etnia é Nagô e a nossa cidade de origem é Ilexá.

Qual o significado do terreiro para os adeptos da religião?
Território, confraria, grupo humano, espaço onde é possível praticar a vida sobre outro paradigma, senão o paradigma ocidental, uma outra interpretação do universo e da vida, nem melhor nem pior, outra.



“Terreiro... uma outra interpretação do universo e da vida, nem melhor nem pior, outra”.



O que leva uma pessoa a procurar um terreiro de candomblé?
Nós humanos somos construídos identitariamente através de nossa origem, família, nossa escola, a sociedade em que vivemos e nós procuramos nisso aí respostas para as nossas dúvidas, anseios, nossas dores, amores. Às vezes esses grupos aos quais pertencemos não nos dão respostas e aí o que fazer? Quando a medicina falha, a psicologia falha e a psiquiatria falha, você vai buscar resposta na religião. Aí os caminhos religiosos em nosso país são multifacetados, aí existe uma oferta de caminhos, o católico, o espírita, o terreiro de candomblé. Isso faz parte da complexidade humana, muitas pessoas são chamadas pela dor.


“Quando a medicina falha, a psicologia falha e a psiquiatria falha, você vai buscar resposta na religião”.


Qual a fonte de renda de um terreiro?
O terreiro é uma instituição religiosa, que no caso específico deste é abrigado por uma instituição civil chamada Associação Santa Cruz Iejexá, que é a mantenedora. Ela capta recursos para manter a casa.

Qual a política (ideologia) do Ilê Axé Iejexá?
Do ponto de vista das relações humanas ele é comunal, ninguém é dono de nada, o patrimônio é coletivo, a vivência é coletiva. As pessoas só têm em sua posse um prato, um caneco e uma esteira. O terreiro é mantido por todos da casa, cada um contribuindo na medida de suas possibilidades.


“Do ponto de vista das relações humanas o terreiro é comunal, ninguém é dono de nada, o patrimônio é coletivo”.

Quanto à organização do terreiro, existe alguma hierarquia que estabeleça classes e determine funções e atribuições específicas para pessoas específicas? Quem designa as funções? E no caso de haver hierarquia como ela se apresenta estruturada, existem cargos inferiores e superiores?
As funções de cada pessoa que participa do terreiro são designadas pelo orixá, bem como a hierarquia das atribuições. Não existem cargos superiores e inferiores. Mas, sim, cargos com mais responsabilidade que outros. Por exemplo, o cargo de babalorixá que é o pai de santo é o cargo que engloba tudo, toda a vida do terreiro, ele tem que supervisionar tudo, os rituais, a manutenção, a organização, a convivência entre as pessoas. Há cargos mais amplos, outros mais restritos.

Quais são essas classes? Elas estão associadas a algum tipo de poder?
As classes são em primeiro lugar o Babalorixá ou Ialorixá. Depois você tem o lugar temente, que seria ou pai pequeno e a mãe pequena. Posteriormente as Equedes, que cuidam dos paramentos, dos orixás quando incorporados; o Axogum, responsável pelo sacrifício e uma série de outros cargos a depender do número de recintos que o terreiro tenha construído.e existem cargos que nunca são ocupados porque o orixá pode não ter encontrado a pessoa adequada para desempenhá-los.

Sabe-se que o candomblé é uma religião que foi trazida ao Brasil pelos escravos africanos e que nos tempos da escravidão era restrita as senzalas. Por isso acredita-se que os seus adeptos sejam ainda hoje em maioria, negros e pessoas de baixo poder aquisitivo. Esta afirmação em uma análise mais abrangente e posteriormente analisando esta “casa” em particular, pode ser ratificada?
Não ratifico porque hoje candomblé não é mais religião de negro, é religião de brasileiro. E aí você tem gene com cara de japonês, chinês, com cara de turco, com cara de índio. Quanto a condição financeira, tem-se a mais variada possível. Há pessoas super carentes e há pessoas abastadas.


“... Candomblé não é mais religião de negro, é religião de brasileiro”.


O preconceito para com os adeptos da religião ainda é uma realidade?
Sem dúvida. Uma realidade flagrante, triste, dolorosa. Profundamente encravada na alma do brasileiro. Nós temos uma cultura preconceituosa. Porém tudo isso é vivenciado com um jeitinho, que olhado de longe parece ser uma maravilha, no carnaval estamos todos nós unidos nas nossas diferenças. Na vida cotidiana estamos todos separados nas nossas igualdades.


“O preconceito é uma realidade profundamente encravada na alma do brasileiro. Nós temos uma cultura preconceituosa”.


Crédito: Tayara Carvalho
fONTE: jORNAL BAHIA

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