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domingo, 18 de janeiro de 2009

FIOS DE TEMPO

POR: Guilherme Augusto Rezende Lemos

O Candomblé é uma religião iniciática de caráter progressivo. Sua organização se estabelece a partir de um conceito peculiar de hierarquia onde o que está “acima” não tem, necessariamente, poder sobre o que está “abaixo”, mas vai adquirindo, com o tempo e as “obrigações”, o direito de participar e “ver” aspectos mais profundos do cotidiano religioso obtendo, com isso, mais conhecimento. A ascensão hierárquica se faz pela associação indissolúvel de tempo e conhecimento; tempo sem conhecimento ou conhecimento sem tempo constiuem-se como caminhos desviantes que tornam o indivíduo inadequado à convivência coletiva. Em síntese, a hierarquia no candomblé se estabelece no sentido dos que “sabem” (no tempo) para os que “não sabem” (por terem pouco tempo).
No candomblé o saber sempre se realiza no real, quem sabe, não sabe para si nem por si, sabe a partir da necessidade e para fins. O saber é ao mesmo tempo o segredo, a necessidade e a capacidade de materializar o conhecimento, transmutando mitos em ritos, práticas e objetos. Quanto mais conhecimento tanto mais ritos, práticas e objetos.
Um caminho interessante para se constatar isso é observância sobre o fio de conta que, mais que um adorno, é uma marca e uma fonte de axé. O simples colar ao imergir na devida mistura de folhas quinadas, associada a alguns outros materiais transforma-se numa identificação que remete o indivíduo ao seu lugar na comunidade.
A cerimônia da lavagem das contas é, por assim dizer, a inserção do neófito no universo mítico e místico do candomblé. Ao receber seus primeiros fios de conta, geralmente um fio de Oxalá e outro de seu orixá pessoal, o então abiã se apercebe da importância de Oxalá no conjunto dos orixás. Oxalá é o deus do branco, o pai dos orixás, ou seja, uma energia geradora que antecede, no tempo, os demais orixás. Oxalá pró-cria, abranda, esfria e descansa. Os primeiros conhecimentos acerca deste orixá circunscrevem-se na própria simbologia do branco que, sendo o somatório de todas as cores, traz em si todas as possibilidades de cor. É a energia de onde tudo sai e para onde tudo retorna, por isso o branco é tanto a cor que festeja o nascimento como a que marca o momento da morte. O luto no candomblé é branco, pois representa o retorno do indivíduo à massa informe da ancestralidade. Por isso, necessariamente, o primeiro fio que se recebe é o branco de Oxalá, simbolizando o estado de latência que caracteriza o abiã como um candidato à iniciação. O branco de Oxalá dialetiza o justo descanso com o movimento gerúndio.
No período da iniciação, o iaô, além de fazer jus a uma pequena coleção com os inhãs dos orixás que participam de sua configuração espiritual, recebe algumas contas específicas que o identificam como tal, são elas o mocam, o quelê e os deloguns, nesta ocasião os fios irão “comer” junto com o “santo”, isto é, configurar-se-ão como verdadeiros campos de força.
Após a obrigação de três anos, é comum ao ainda iaô, já com alguma graduação, ser presenteado com alguma conta mais “enfeitada” adquirindo, com isto, o direito de criar para si colares mais rebuscados com missangas um pouco maiores e até alguns poucos corais, primando ainda pela discrição.
Por ocasião da obrigação de sete anos, o agora ebomi, adquire adornos que o identificam como tal: o runjebe, o lagdbá, o brajá, o âbar, o monjoló, os corais, as contas africanas multicolorias e o alabastro. Mais que isto, ganha a liberdade total de criar seus próprios fios, seja no tamanho das contas, na riqueza dos detalhes ou dos próprios materiais a utilizar (ouro, prata, etc.). O ebomi já conhece os seus “fundamentos”, por isto a liberdade.
Entretanto, não termina aí o aprendizado. Até os sete anos, o iaô, é tutelado e educado por seus iniciadores, a partir daí é tutelado pela própria liberdade. Muito embora, parafraseando José Flávio Pessoa de Barros, “a modéstia não seja bem vinda no candomblé”, o bom tom e a justa medida são apreciadíssimos. O ebomi deve ser um exemplo para o iaô, principalmente no que tange ao manuseio de sua própria liberdade e a adequação às situações, dentro e fora da comunidade. A confecção e utilização dos fios de conta deve ser sempre um exercício da criatividade, mas também deve responder à uma estética própria do candomblé que preserva através de seus objetos a sua própria história; inovações excessivas ferem a justa medida e tornam-se inadequadas, posto que os objetos são importantes instrumentos de apoio à manutenção da tradição oral.


Ibá re ô, Egbon mi.(MEUS RESPEITOS AOS MAIS VELHOS)

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